A etapa final - II

É grande a dificuldade da família para entender a futilidade dos actos médicos e para aceitar os cuidados paliativos.
Nem os médicos nem os enfermeiros nem qualquer outro trabalhador de saúde nem os trabalhadores sociais estão ungidos para convencer um familiar do doente de Alzheimer em fase final, de quem cuidou primorosamente durante uns anos, que lhe entregou talvez o melhor tempo da sua vida adulta e que tal dedicação se converteu no pior da sua razão de viver, de que chegou o momento de passar a prestar-lhe apenas cuidados paliativos que, não o esqueçamos, podem prolongar-se durante anos.

Os cuidados paliativos são tratamentos activos, baseados em conhecimentos sólidos e experiência bem provada, que aliviam sintomas e sinais físicos e psíquicos dos doentes já desenganados e que devem trazer ajuda espiritual, psicológica e social aos familiares. Por definição, estes cuidados excluem a reanimação em caso de paragem cardíaca, a respiração artificial (sonda nasogástrica ou gastrotomia) em caso de não deglutição ou recusa de alimento, etc. E por definição também, incluem a administração de sedativos que aliviam a agitação, ou analgésicos potentes, que acalmam toda a dor e anti-térmicos que façam desaparecer a febre. “A morte não deve ser causada mas tão-pouco atrasada”.

Dito isto, somos os primeiros a reconhecer todo o direito dum familiar cuidador dum doente afectado de demência em fase final para requerer todo o tipo de cuidados para que o médico pense na conveniência de passar aos cuidados paliativos.

A melhor solução para estas dolorosas situações é o diálogo entre o médico e a família, franco e sincero, iniciado muito antes da chegada desta etapa final. O internamento num Centro de dia em tão doloroso momento é altamente recomendável e servirá de grande ajuda à família, pela perícia do pessoal de saúde que neles trabalham, o cuidado físico do doente e o conselho atinado que se pode receber. O objectivo no tratamento destes doentes em tal momento evolutivo é maximizar o seu conforto, dignidade e respeito. Os membros da família “não devem sentir-se culpados ao tomar esta decisão de permitir que o doente morra duma maneira natural”.

“a nossa moderna cultura tende a tratar o moribundo de maneira não natural. A nossa tecnologia permite atrasar a morte mas não impedi-la. As famílias devem ser informadas a tempo, com compaixão, sensibilidade e paciência sobre o processo de morrer, que pode durar semanas, meses ou anos, e o inevitável que realmente é.

À diferença do que se passa com o cancro, em que a morte é bastante previsível para o doente, sua família e médico, no Alzheimer final é difícil predizer com exactidão a data em que o paciente expirará. O doente de Alzheimer entra em agonia quando fica completamente mudo, dependente total doutra pessoa em todos os aspectos da vida quotidiana e quando aparecem as complicações do falo cerebral, como são os episódios de aspiração traqueal de alimentos com a conseguinte pneumonia, infecções urinárias, chagas e úlceras cutâneas diversas e perda de mais de 10% do peso corporal.

A equipa de saúde que atende o doente deve procurar, por todos os meios, chegar a um consenso familiar sobre o nível e a natureza dos cuidados que se vão prestar muito antes da chegada da fase final, devendo ater-se às suas decisões sem impor as próprias. Deve fazer-se todo o tipo de previsões e não deixar nada para o momento em que se inicia o luto. Surgem, por vezes, conflitos familiares a respeito de aplicar ou não tratamentos fúteis ou “heróicos” para prolongar a vida, quase sempre por não terem falado com clareza previamente. Não é raro que o familiar menos implicado no cuidado do doente tome a voz dissonante nos momentos finais para exigir “todo o tipo de cuidados médicos”, por muito que o médico esteja contra. Tal conduta pode encobrir frustrações ou culpabilidades subconscientes. Um bom e continuado diálogo com a equipa médica evita ás famílias sentirem-se culpadas sobre se a realidade dos cuidados foi ou não boa.

Aos familiares deve-se explicar que os seus sentimentos de todo o tipo, raiva, tristeza, culpa, alívio, conflito e medo, são normais ante o moribundo. Fazê-los reflectir que desde o momento em que o doente começou a esquecer o que tinha esquecido, deixou de ser consciente e responsável pela sua conduta, de maneira que eles, familiares, com sua memória normal não podem julgar o doente com o padrão habitual e devem saber perdoar-lhe todo o tipo de agressão física ou verbal, recusa, má cara, insultos, negações, etc.

A morte deveria ser “curativa” para os familiares que continuam neste mundo. Um gesto que os pode ajudar neste sentido é fazer a generosa doação do cérebro do falecido para contribuir solidariamente para o progresso científico e a conquista desta tão terrível doença.
Lê-se que Ronald Reagan, antigo presidente norte-americano, que tem agora 92 anos e sofre de Alzheimer desde há dez anos, já está incapaz de se levantar da cama, permanece quase todo o tempo a dormir e já perdeu a capacidade para falar e andar, como revelou sua própria filha, Patti Davis, num artigo publicado na revista People.
Certamente que este homem está na etapa final do seu processo. Queira Deus que o seu médico e sua família se comportem com a ética que se tentou expor aqui.
Para reconforto de todos, o apelo aos padres, pastores e demais guias espirituais, tem demonstrado ser de grande ajuda para os familiares.