A saúde

Há, como se sabe, duas espécies de saúde: a natural e a artificial. Desejamos a saúde natural, que provém da resistência dos tecidos às doenças infecciosas e degenerativas e do equilíbrio do sistema nervoso; mas não desejamos a artificial, que depende de regimes alimentares, vacinas, soros, produtos endócrinos, vitaminas, exames médicos periódicos, e da dispendiosa protecção dos médicos, hospitais e enfermeiros.

O homem deve ser construído de modo a que não precise de tais cuidados. A medicina terá o seu maior triunfo, quando descobrir o meio que nos permita ignorar a doença, a fadiga e o medo.

Devemos dar aos seres humanos a liberdade e a alegria que provêm da perfeição das actividades orgânicas e mentais.

Esta concepção da saúde encontrará uma forte oposição, porque perturba os nossos hábitos de pensamento.

A medicina moderna tende para a produção da saúde artificial, para uma espécie de filosofia dirigida.

O seu ideal é intervir nas funções dos tecidos e dos órgãos por meio de substâncias químicas puras, estimular ou substituir as funções deficientes, aumentar a resistência às infecções, acelerar a reacção dos órgãos e dos humores contra os agentes patogénicos.

Ainda consideramos o corpo humano como uma máquina mal construída, cujas peças devem ser reforçadas ou reparadas a cada momento.

Celebram-se as vitórias da terapêutica durante os últimos quarenta anos, a descoberta de tantos medicamentos, substâncias que regulam as funções sexuais, de numerosas substâncias novas obtidas por síntese para alívio da dor e para a estimulação de funções insuficientes; e ainda o aparecimento de gigantescos laboratórios industriais, onde tais substâncias são manufacturadas.

É então que estes progressos da química e da fisiologia são de grande importância, que pouco a pouco nos vão desvendando os mecanismos ocultos do corpo, que encarreiram a medicina para um caminho seguro.

Mas devemos considerá-los desde já como um grande triunfo da humanidade em busca da saúde?

Longe disso. A fisiologia não pode ser comparada à economia política. Os processos orgânicos, humorais e mentais são infinitamente mais complicados do que os fenómenos sociais e económicos.

Ao homem moderno não basta a saúde artificial. Os exames e os cuidados médicos são incómodos, penosos, e muitas vezes pouco eficazes.

Os hospitais e os remédios ficam caros, e os seus efeitos são insuficientes. Os homens e as mulheres que parecem gozar de saúde necessitam a cada passo de pequenas reparações. Não são suficientemente fortes para representar galhardamente o seu papel de serres humanos.

A saúde é muito mais do que a ausência da doença. A pouca confiança, cada vez mais acentuada, que o público tem na profissão médica exprime, até certo ponto, esse sentimento. Não podemos dar ao homem a espécie de saúde que ele deseja, sem ter em conta a sua verdadeira natureza.