Doenças

As doenças não são entidades. Podemos observar pessoas atacadas de pneumonia, sífilis, diabetes… Em seguida, construímos no nosso espírito certos universais, certas abstracções, a que damos o nome de doenças.

A doença representa a adaptação do organismo a um agente patogénico, ou a sua progressiva destruição por esse agente.

Tanto a adaptação como a destruição tomam a forma do indivíduo que as sofre ao ritmo do seu tempo interior.

O corpo é mais rapidamente destruído por uma doença degenerativa na juventude do que na velhice. A todos os seus inimigos dá uma resposta específica, cujo sentido depende das propriedades imanentes dos tecidos.

A antiga péctoris, por exemplo, anuncia a sua presença por um sofrimento agudo: dir-se-ia que o coração é apertado por uma garra de aço. Mas a intensidade da dor varia segundo a sensibilidade dos indivíduos.

Quando esta é fraca, a doença toma outro aspecto: sem advertência, sem dor que a manifeste, mata a sua vítima.

Sabe-se que a febre tifóide produz dores de cabeça, diarreia e um abatimento geral, que é uma doença prolongada que exige uma longa estadia no hospital

Certos indivíduos, contudo, atingidos por ela, continuam a sua vida habitual. Durante as epidemias de gripe, de difteria, de febre-amarela, alguns doentes não sentem mais que uma febre ligeira, um certo mal-estar.

Esta maneira de reagir à infecção deve-se às qualidades inerentes dos tecidos. Como se sabe, os mecanismos adaptativos que nos protegem dos micróbios e dos vírus variam de pessoa para pessoa.

Quando o organismo é incapaz de resistir, no cancro, por exemplo, a sua destruição também toma um aspecto próprio. Numa rapariga, um cancro no seio provoca rapidamente a morte.

Na extrema velhice, pelo contrário, desenvolve-se com grande lentidão.

A doença é uma coisa pessoal, e que toma o aspecto do indivíduo. Há tantas variedades de doenças quantos são os doentes.

Seria, contudo, impossível construir uma ciência da medicina pela mera compilação de grande número de observações individuais.

Foi necessário classificar os factos e simplificá-los por meio de abstracções. Assim nasceu a doença.

Então foi possível escrever tratados de medicina. Edificou-se uma espécie de ciência, grosseiramente descritiva, rudimentar, imperfeita, mas cómoda, indefinidamente perfectível e fácil de ensinar.