Doenças - I

Então, os médicos, infelizmente, contentaram-se com este resultado. Não compreenderam que os tratados, descrevendo entidades patológicas, contêm apenas uma parte de conhecimentos necessários àqueles que tratam os doentes.

A ciência das doenças não basta aos médicos.

É preciso que saibam distinguir, claramente, do ser humano doente, descrito nos livros, o doente concreto que têm diante de si, esse doente que não deve ser apenas estudado, mas em primeiro lugar aliviado, sossegado e curado.

O seu papel consiste na descoberta, em cada doente, dos caracteres da sua individualidade, da sua maneira própria de resistir ao agente patogénico, do seu grau de sensibilidade à dor, do valor de todas as suas actividades orgânicas, do seu passado e do seu futuro.

Não é por meio do cálculo de probabilidades que se deve predizer o futuro dum indivíduo, mas por uma profunda análise da sua personalidade orgânica, humoral e psicológica.

Em suma: a medicina, quando se limita ao estudo das doenças, amputa-se uma parte a si própria.

Muitos médicos obstinam-se em, prosseguir em abstracções. Outros, contudo, crêem que o conhecimento do doente é tão importante como o da doença.

Os primeiro não saem do domínio dos símbolos, os segundos sentem a necessidade de apreender o concreto.

A velha questão entre nominalistas e realistas está hoje a reviver em volta das escolas de medicina.

A medicina científica, instalada nos seus palácios, depende, tal como a Igreja na Idade Média, a realidade dos Universais, anatemizando os nominalistas que, a exemplo de Abelardo, consideram os Universais e as doenças como criações do nosso espírito, e os doentes como a única realidade.

Na verdade, a medicina deve ser ao mesmo tempo realista e nominalista. É preciso que tanto estude o indivíduo como a doença.

Talvez que acrescente desconfiança do público para com a medicina, a ineficácia e, por vezes, até o ridículo da terapêutica, se devam à confusão dos símbolos indispensáveis à edificação das ciências médicas com o paciente concreto.

O insucesso dos médicos deriva de viverem num mundo imaginário. Nos seus doentes não vêem senão as doenças descritas nos tratados de medicina. São vítimas da crença na realidade dos Universais.

Confundem, além disso, os conceitos de espírito e de método, de ciência, e de tecnologia. Não compreendem que o ser humano é um todo, que as funções adaptativas se estendem a todos os sistemas orgânicos, que as divisões anatómicas são artificiais.

Até ao presente, a separação do corpo em partes foi-lhes útil. Mas é perigosa e sai cara ao paciente, acabando por também o ser para o médico.