Funções de adaptação

Há um contraste impressionante entre a durabilidade do nosso corpo e o carácter transitório dos seus elementos. O ser humano compõe-se duma matéria mole, alterável susceptível de se decompor nalgumas horas.

E, contudo, resiste mais do que se fosse de aço. E não só dura, como vence constantemente as dificuldades e os perigos do meio externo. Acomoda-se, muito melhor do que os outros animais, às condições variáveis do mundo. Obstina-se em viver, a despeito das desordens físicas, económicas e sociais.

Tal persistência deve-se a uma forma muito particular da actividade dos nossos tecidos e humores. O corpo molda-se, por assim dizer, aos acontecimentos. Em vez de se gastar, modifica-se. Improvisa, para cada situação, um meio de lhe fazer face. E esses meios são de molde a tender para o máximo de duração.

Os processos fisiológicos, substrato do tempo interior, inclinam-se sempre na mesma direcção, naquela que conduz à mais longa sobrevivência do indivíduo. Essa estranha função, esse automatismo vigilante, torna possível a existência humana com os seus caracteres específicos. A isso se chama adaptação.

Todas as actividades fisiológicas possuem capacidade de adaptação. Esta toma, portanto, os mais diversos aspectos, que podem agrupar-se em duas categorias: intra e extra-orgânicos.


A adaptação intra-orgânica determina a constância do meio interno e das relações dos tecidos e humores, e garante a correlação dos órgãos; produz ainda a separação automática dos tecidos e a cura das doenças.

A adaptação extra-orgânica ajusta o indivíduo ao meio físico, psicológico e económico, permitindo-lhe sobreviver apesar das condições desfavoráveis do meio. As funções da adaptação agem, sob esses dois aspectos, em todos os instantes da nossa vida, e são bases indispensáveis da nossa duração.

Sejam quais forem os nossos sofrimentos, as nossas alegrias e a agitação do mundo, o ritmo dos nossos órgãos pouco varia. As células e os humores continuam imperturbavelmente as suas trocas químicas.

O sangue pulsa nas artérias e flui nos inumeráveis capilares dos tecidos com uma velocidade quase constante. Há uma diferença impressionante entre a regularidade dos fenómenos que se passam no nosso corpo e na extrema variabilidade dos que se passam no meio externo.

Os nossos estados internos têm uma grande estabilidade, o que não significa repouso ou equilíbrio: motiva-se, pelo contrário, a incessante actividade de todo o organismo.

Para manter a constância da composição do sangue e a regularidade da sua circulação, é necessária uma enorme quantidade de processos fisiológicos.

Os esforços convergentes de todos os sistemas funcionais garantem a tranquilidade dos tecidos. E estes esforços são tanto maiores quanto mais irregular e violenta é a nossa vida. Porque a brutalidade das nossas relações com o mundo nunca deve perturbar a paz das células e dos humores do nosso meio interno.