Limitações - I

Os factos concretos não satisfazem o nosso espírito, que prefere o aspecto definitivo das abstracções.

Mas a ciência não será cultivada unicamente por si própria, pela elegância dos seus métodos, pela sua clareza e pela sua beleza.

O seu fim é beneficiar o homem, material e espiritualmente. Não devemos dar aos sentimentos menos importância que à termodinâmica.

É necessário que o nosso pensamento abrace todos os aspectos da realidade, em vez de abandonarmos os resíduos das abstracções científicas, utilizaremos simultaneamente resíduos e abstracções. Não aceitaremos a superioridade do quantitativo, da mecânica, da física e da química. Renunciaremos à atitude intelectual nascida na Renascença e à arbitrária definição do real que ele nos deu: mas conservaremos todas as conquistas que, graças a ela, a humanidade realizou.

O espírito e as técnicas da ciência são o nosso mais precioso matrimónio.

Não será sem dificuldade que nos libertaremos duma doutrina que, durante mais de quatrocentos anos, dominou a inteligência dos homens civilizados.

A maior parte dos sábios crêem na realidade dos Universais, no direito exclusivo à existência do quantitativo, na primazia da matéria, na separação do espírito e do corpo e na importância secundária do espírito, e dificilmente renegarão tais convicções.

Porque semelhante transformação abalaria os próprios alicerces da pedagogia, da medicina, da higiene, da psicologia e da sociologia; o jardinzinho cultivado por cada um transformar-se-ia em floresta que seria preciso desbravar.

Caso a civilização científica abandonasse o caminho seguido desde a Renascença e regressasse à observação ingénua do concreto, imediatamente se dariam estranhos acontecimentos.

A matéria perderia a primazia: as actividades mentais, tornar-se-iam tão importantes como as fisiológicas; o estudo das funções morais, estéticas e religiosas, revelar-se-ia tão indispensável como o da matemática, da física e da química.

Os actuais métodos de educação pareceriam absurdos; as escolas e as universidades seriam forçadas a modificar os programas.

Perguntar-se-ia aos higienistas por que razão se ocupam, exclusivamente, com a prevenção das doenças dos órgãos, e não com as das mentais; por que motivo isolam as pessoas atingidas por doenças infecciosas, mas não as que comunicam aos outros indivíduos as suas doenças intelectuais e morais; qual a razão de se considerarem perigosos os hábitos que provocam afecções orgânicas e não os que conduzem à corrupção, ao crime e à loucura.

O público recusar-se-ia a ser tratado por médicos que apenas conhecessem uma pequena parte do corpo.

Os patologistas seriam levados a estudar as lesões do meio interno, do mesmo modo que as dos órgãos, e teriam que tomar em consideração a influência dos estados mentais sobre a evolução das doenças dos tecidos.