Actividades místicas

É raro observar, nos homens de hoje, manifestações da actividade mística e do sentido religioso. Mesmo sob a forma mais rudimentar, o sentido místico é excepcional, muito mais excepcional do que o senso moral.

Não obstante, faz parte das nossas actividades essenciais.

A inspiração religiosa deixou vestígios bem mais profundos na humanidade do que o pensamento filosófico. Na cidade antiga, a religião era a base da vida familiar e social.

As catedrais e as ruínas dos templos que os nossos antepassados construíram cobrem ainda o solo da Europa. É certo que hoje mal compreendemos o seu significado.

Para a maior parte dos civilizados, as igrejas não são mais do que museus onde repousam relíquias mortas. A atitude dos turistas que profanam as catedrais da Europa mostra até que ponto a vida moderna obliterou o sentido religioso.

A actividade mística foi banida da maior parte das religiões, e até a sua significação foi esquecida.

A um tal esquecimento prende-se, provavelmente, a decadência das igrejas. Porque a vida duma religião depende dos focos de actividade que é capaz de criar.

Contudo, o sentido religioso manteve-se na vida moderna como uma função necessária à consciência de alguns indivíduos. Actualmente recomeçou a manifestar-se entre os homens de cultura elevada, mas sobretudo com fins políticos. E, fenómeno estranho, as grandes ordens religiosas não têm nos seus conventos lugares suficientes para receber os jovens que pretendam penetrar no mundo espiritual pelo caminho da ascese e da mística.

A actividade religiosa, tal como a moral, assume diversos aspectos. No seu estado mais rudimentar, consiste na aspiração vaga de um poder que transcenda as formas materiais e mentais deste mundo, uma espécie de prece informulada, o desejo duma beleza mais absoluta do que a da arte ou da ciência. Aproxima-se da actividade estética.

O sentido do belo conduz à actividade mística, assim como, por outro lado, os ritos religiosos se associam às diferentes formas de arte.

É assim que o canto se transforma em oração. A beleza procurada pelo místico é ainda mais rica e indefinível do que o ideal do artista. Não reveste nenhuma forma; esconde-se nas coisas do mundo visível.

Requer a elevação do espírito até um ser que é origem de tudo, até um poder, um centro de forças, a que os místicos cristãos dão o nome de Deus.

Em todas as épocas, em todas as etnias, existiram indivíduos possuídos desse sentido especial no mais alto grau.

A mística cristã manifesta a forma mais elevada da actividade religiosa. Liga-se melhor às outras actividades da consciência do que a mística hindu ou tibetana. Teve a vantagem, sobre as místicas asiáticas, de receber na sua primeira instância as lições da Grécia e de Roma. Duma tomou a inteligência; da outra, a ordem e a medida.

No seu estado mais elevado, comporta uma técnica muito aperfeiçoada, uma disciplina estrita. Em primeiro lugar, exige a prática do ascetismo; é tão impossível chegar-se a ela sem uma aprendizagem ascética como tornar-se atleta sem se ter submetido a um treino físico.

A iniciação do ascetismo é árdua. Por isso, poucos são aqueles que têm a coragem de se aventurar na vida do misticismo. Quem pretenda empreender essa rude viagem deve renunciar a si próprio e às coisas deste mundo.