Actividades da consciência - I

A nossa civilização não conseguiu criar, até ao presente, um meio próprio às nossas actividades mentais. O fraco valor intelectual e moral dos homens de hoje deve atribuir-se, em grande parte, à insuficiência e à má composição da sua atmosfera psicológica.

A primazia da matéria e o utilitarismo, que são os dogmas da religião industrial, levaram à supressão da cultura intelectual, da beleza e da moral, tais como as compreendiam as nações cristãs, mães da ciência moderna.

Ao mesmo tempo, as modificações do género de existência provocaram a dissolução dos grupos familiares e sociais que possuíam a sua individualidade e as suas tradições próprias. A cultura não se manteve em parte nenhuma.

A enorme difusão dos jornais, da rádio e da televisão, como do cinema, nivelou as classes intelectuais da sociedade pelo ponto mais baixo. A televisão sobretudo, leva ao domicílio de cada um a vulgaridade que agrada à multidão.

A inteligência generaliza-se cada vez mais, apesar da excelência dos cursos escolares e universitários, coexistindo frequentemente com os mais desenvolvidos conhecimentos científicos.

Os estudantes moldam o seu espírito pela estupidez dos programas televisivos e cinematográficos a que se habituaram. E raramente lêem um jornal.

O meio social, além de não favorecer o desenvolvimento da inteligência, ainda se lhe opõe. Na verdade, é mais propício ao do sentido da beleza.

Os maiores músicos da Europa encontram-se hoje na América.

Os museus estão admiravelmente organizados para mostrar ao público os seus tesouros.

A arte industrial desenvolve-se rapidamente.

à arquitectura, sobretudo, entrou numa nova fase: prédios altos e em gaveto, transformaram o aspecto das cidades. Todos podem, querendo, cultivar, pelo menos até certo ponto, as suas faculdades estéticas.

O mesmo não sucede com o senso moral. O actual meio social ignora-o completamente: a verdade é que o suprimiu, inspirando a todos a irresponsabilidade.

Aqueles que distinguem o bem do mal, que trabalham, que são previdentes, ficam pobres e são considerados seres inferiores. Muitas vezes, são severamente puinidos.

A mulher que tem vários filhos e que se dedica à sua educação., em vez de se entregar à sua própria carreira, adquire a reputação de imbecilidade.

Se um homem economiza algum dinheiro para sua mulher e para a educação dos filhos, esse dinheiro é-lhe roubado por financeiros audaciosos. Ou então é-lhe tirado pelo governo, e distribuído àqueles cuja imprevidência, aliada à imprevidência dos industriais, banqueiros e economistas, os reduz à miséria.

Os sábios e os artistas, que dão a todos a prosperidade, a saúde e a beleza, vivem e morrem pobres. Ao mesmo tempo, os que roubaram gozam em paz o dinheiro dos outros.

Os gangsters são protegidos pelos políticos e respeitados pela polícia. São os heróis que as crianças imitam nos seus jogos e admiram no cinema.

A posse da riqueza é tudo, e tudo justifica. Um rico, faça o que fizer, quer abandone a sua mulher envelhecida, ou a sua mãe sem recursos, quer roube os que lhe confiaram o seu dinheiro, continua a gozar da consideração dos seus amigos. A homossexualidade floresce. A moral sexual foi suprimida. Os psicanalistas orientam os homens e as mulheres nas suas relações conjugais. O bem e o mal, o justo e o injusto deixaram de existir. Mas prisões, há criminosos que são pouco inteligentes ou mal equilibrados. Os outros, muito mais numerosos, vivem em liberdade e andam intimamente misturados com o resto da população, que disso não se admira. Em tal meio social, o desenvolvimento do senso moral é impossível

O mesmo se dá sob o ponto de vista religioso. Os padres nacionalizaram a religião, e destruíram a sua base mística. Contudo, não conseguiram atrair os homens modernos: nas suas igrejas vazias pregam, em vão, uma moral débil. Reduziram o seu papel ao de gendarmes que ajudam a conservar, no interesse dos ricos, os quadros da sociedade actual. Ou então, tal como os políticos, adulam a sentimentalidade e a inteligência das massas.

Ao homem moderno é quase impossível defender-se desta atmosférica psicológica Todos sofrem fatalmente a influência daqueles com quem convivem. Os que viverem desde a infância na companhia de criminosos ou de loucos tornam-se criminosos ou loucos.

Não se escapa ao meio senão pelo isolamento ou pela fuga. Mas onde poderão os habitantes da cidade moderna encontrar a solidão? “Podes retirar-te para dentro de ti próprio à hora que queiras”, disse Marco Aurélio. “Não há refúgio mais tranquilo do que aquele que o homem encontra na sua própria alma”. Mas, hoje, não somos capazes de tal esforço. Tornou-se-nos impossível lutar vitoriosamente contra o nosso mi«eio social.