Actividade intelectual e moral

A actividade intelectual é, ao mesmo tempo, distinta e indistinta do fluxo dos nossos outros estados de consciência. É uma das nossas maneiras de ser, e muda quando mudamos.

Podemos compará-la a um filme que registasse as fases sucessivas duma história numa superfície cuja sensibilidade variasse duns pontos para os outros. Ainda tem mais analogia com as longas vagas do oceano, em cujas concavidades e cumes as nuvens se reflectem sob diferentes aspectos.

Com efeito, a inteligência projecta as suas visões no fundo móvel dos nossos estados afectivos, da nossa dor ou da nossa alegria, do nosso amor ou do nosso ódio.

Para a estudar, separamo-la artificialmente do todo de que faz parte. Mas aquele que pensa, que observa e raciocina é, ao mesmo tempo feliz ou infeliz, está perturbado ou calmo, excitado ou deprimido pelos seus apetites, pelas suas aversões, pelos seus desejos.

E o mundo assume aspectos diferentes segundo os estados afectivos e psicológicos que constituem o fundo móvel da nossa consciência durante a actividade intelectual.

Todos sabem que o amor, o ódio, a cólera e o medo podem levar a desordem à própria lógica. Para que estas paixões se manifestem, são necessárias modificações das trocas químicas.

Estas aumentam tanto mais quanto mais intensos forem os movimentos emotivos. Pelo contrário, como é sabido, o trabalho intelectual não as modifica.

As actividades afectivas estão muito próximas das fisiológicas. Elas constituem o temperamento, que muda segundo os indivíduos e segundo as etnias, e que é uma combinação de caracteres mentais, fisiológicos e estruturais: o temperamento é próprio do homem. É responsável pela sua pequenez, pela sua mediocridade ou pela sua força.

Qual o motivo do enfraquecimento do temperamento em certos grupos sociais e em certas nações? Dir-se-ia que a violência da maneira de ser emocional diminui à medida que a riqueza aumenta, que a educação se espalha, que a alimentação se aperfeiçoa.

Vêem-se ao mesmo tempo as funções emotivas separar-se da inteligência, e exagerar alguns dos seus aspectos. É possível que a civilização moderna nos tenha dado formas de vida, de educação e de alimentação que tendem a dar aos homens as qualidades dos animais domésticos, ou a desenvolver sem harmonia os seus impulsos afectivos.

A actividade moral equivale à aptidão que o homem tem de impor a si próprio uma regra de comportamento, de escolher, entre vários outros possíveis, o que considera bom, de se libertar do seu egoísmo e da sua maldade.

A actividade moral cria no indivíduo o sentimento duma obrigação, dum dever. Só um pequeno número de indivíduos se pode observar; na maior parte, conserva-se em estado virtual. Contudo, é possível duvidar da sua realidade; se o senso moral não existisse, Sócrates não teria bebido a cicuta.

Hoje ainda podemos encontrá-lo em certos grupos sociais e em certos países, e por vezes mesmo no maior grau. Existiu em todas as épocas, e mostrou a sua importância primordial no decorrer da história da humanidade. Achava-se relacionado com a inteligência e com o sentido estético e religioso. No ser altamente civilizado, a vontade e a inteligência são uma única e mesma função; delas derivam todas as qualidades morais.