O indivíduo

O ser humano não se encontra em parte nenhuma na natureza. Só existe o indivíduo. Este distingue-se do ser humano por ser uma realidade concreta. É ele que age, ama, sofre, combate e morre. Pelo contrário, o ser humano é uma ideia platónica, que vive nos nossos livros e nos nossos espíritos. Compõem-no as abstracções estudadas pelos fisiologistas, pelos psicólogos, pelos sociólogos. As suas características exprimem-se pelos Universais.
Encontramo-nos de novo ante o problema que apaixonou os espíritos filosóficos da Idade Média, o da realidade das ideias gerais. Realidade a favor da qual Anselmo de Laon sustentou contra Abelardo uma luta, passados oitocentos e sessenta anos, ainda ouvimos os ecos. Abelardo foi vencido. Contudo, Anselmo e Abelardo, isto é, tanto os realistas, que acreditavam, como os nominalistas que não acreditavam na existência dos universais, tinham razão.
Na verdade, temos necessidade do particular e do geral, do ser humano e do indivíduo. A realidade do geral, porque o nosso espírito só se move facilmente no meio de abstracções. Para o sábio moderno, como para Platão, as ideias são a única realidade. Esta realidade abstracta dá-nos o conhecimento do concreto.
O geral faz-nos apreender o particular. Graças às abstracções criadas pelas ciências do ser humano, é possível serem feitos à sua medida, lhe convêm contudo e nos ajudam a compreendê-lo. Por outro lado, o espírito empírico dos factos concretos permite a evolução e o progresso das ideias, dos Universais, enriquecendo-as constantemente. A observação de grande número de indivíduos desenvolve uma ciência cada vez mais completa do ser humano. As ideias, em vez de imutáveis na sua beleza, como supunha Platão, transformam-se e expandem-se, sempre que o nosso espírito mergulha nas águas incessantemente vivas da realidade empírica.
Vivemos em dois mundos diferentes, o dos factos e o dos símbolos. Para nos conhecermos e aos nossos semelhantes, utilizamos simultaneamente a observação e as abstracções científicas. Mas sucede-nos confundir o abstracto com o concreto. Tratamos então os factos como se fossem símbolos, e assimilamos o indivíduo ao ser humano. A maior parte dos erros dos educadores, dos médicos e dos sociólogos provém desta confusão. Os sábios, habituados às técnicas da mecânica, da química, da física e da fisiologia, estranhos à filosofia e à cultura intelectual, estão arriscados a misturar os conceitos das diferentes disciplinas e a não distinguir claramente o geral do particular. Contudo, é importante definir exactamente a parte do ser humano e a do indivíduo no conceito do homem. A educação, a medicina, a sociologia dizem respeito ao indivíduo.
Seria desastroso considerá-las apenas como símbolos.
A individualidade é uma característica fundamental do homem. Não consiste apenas num certo aspecto do corpo e do espírito; impregna todo o nosso ser e faz dele um acontecimento único na história do mundo.
Por um lado, manifesta-se no conjunto formado pelo organismo e pela consciência; por outro, põe o seu sinal em cada elemento deste conjunto, embora permanecendo indivisível. E só por isso ser cómodo é que consideramos separadamente os seus aspectos; orgânico, humoral e mental, em vez de os apreendermos na sua totalidade.