Doença - II

A medicina tem de tomar em conta a natureza do homem, a sua unidade e a sua unicidade. A sua única razão de ser está no alívio dos sofrimentos e na cura do indivíduo.

É preciso, sem dúvida, que se sirva do espírito e dos métodos da ciência. Deve tornar-se capaz de evitar as doenças, de as reconhecer e de as tratar.

Mas não é uma disciplina do espírito. Não há motivo para cultivá-la por si própria, nem isso tem qualquer vantagem.

Ao mesmo tempo, é a mais difícil das aquisições humanas. O que a ensina não é um professor como os outros.

Ao passo que cada um dos seus colegas especializados no estudo da anatomia, da fisiologia, da química, da patologia, da farmacologia…, tem um território bem delimitado, aquele que precisaria de conhecimentos quase universais.

Deve possuir, além disso, uma grande segurança de juízo, uma grande resistência física e uma actividade incessante.

Cabe-lhe uma tarefa muito diferente da dos sábios.

Estes podem, com efeito, permanecer unicamente no mundo dos símbolos. Os médicos, pelo contrário, acham-se simultaneamente na presença da realidade concreta e das abstracções científicas.

É preciso que o seu pensamento apreenda ao mesmo tempo os fenómenos e os símbolos, que pesquise os órgãos e a consciência, que penetre em cada indivíduo num mundo diferente.

Pede-se-lhes este impossível: construir uma ciência do particular.

Tem, é certo, o recurso de aplicar indistintamente a todos os doentes os seus conhecimentos científicos, como um alfaiate que experimenta fatos feitos em pessoas de estaturas diferentes.

Mas só cumprem verdadeiramente o seu dever descobrindo as peculiaridades específicas de cada doente.

O seu sucesso não depende apenas da sua ciência, mas da sua habilidade para apreender os caracteres que fazem um indivíduo de cada ser humano.