Valor humano
O valor humano do tempo físico depende naturalmente da natureza do tempo interior. Sabe-se que a nossa duração é um fluxo de transformações irreversíveis dos tecidos e dos humores…
Pode calcular-se aproximadamente em unidade de tempo fisiológico, equivalendo cada unidade a uma certa modificação funcional do soro sanguíneo.
Os seus caracteres provêm da estrutura do organismo e dos processos fisiológicos que estão ligados a essa estrutura, sendo específicos de cada espécie, de cada indivíduo e da idade deste.
Adaptamos geralmente essa duração ao tempo dos relógios, visto fazermos parte do mundo físico.
As divisões naturais da nossa vida contam-se em dias e em anos. A infância e a adolescência duram cerca de dezoito anos; a maturidade e a velhice, de cinquenta a sessenta.
O homem passa por um breve período de aperfeiçoamento e de declínio. Mas podemos, inversamente, comparar o tempo físico com o psicológico, e traduzir o dum relógio em termos de tempo humano.
Produz-se assim um estranho fenómeno: o tempo físico perde a constância do seu valor; os minutos, as horas e os anos tornam-se, em realidade, diferentes para cada indivíduo e para cada período da sua vida.
Um ano é mais longo durante a infância, muito mais curto durante a velhice; tem um valor para a criança e outro para seus pais. Para a criança é muito mais precioso que para os pais, porque contém mais unidades do seu tempo próprio.
Sentimos com maior ou menor clareza estas mudanças de valor do tempo físico que se produzem no decorrer da nossa vida. Os dias da infância afiguram-se-nos muito lentos; os da maturidade duma rapidez perturbadora.
Tal sentimento tem talvez origem no quadro da nossa duração. O tempo físico desliza com uma velocidade uniforme, ao passo que o ritmo da nossa duração diminui progressivamente: é como que um grande rio a correr pelo vale.
No alvorecer do seu dia, o homem caminha alegremente ao longo da margem, e as águas parecem-lhe preguiçosas. Mas, pouco a pouco, a velocidade das águas aumenta, e pelo meio do dia já são mais rápidas do que o homem.
Aproxima-se a noite, e elas vão mais depressa. E então o homem detém-se para sempre, enquanto o rio continua inexoravelmente o seu caminho.
Na verdade, o rio nunca alterou a sua velocidade; o nosso andar é que se vai tornando mais lento. Talvez que a lentidão aparente do começo da vida, e a rapidez do fim, se devam ao facto de um ano apresentar, como se sabe, para uma criança e para um velho, proporções diferentes da sua vida passada.
É mais provável, contudo, que a nossa consciência perceba vagamente que o nosso tempo exterior vai tendo um movimento cada vez mais lento.
O valor dos dias é muito grande na primeira infância, e deve utilizar-se de todos os modos imagináveis para a educação. A perda destes momentos é irreparável.
Em vez de se abandonarem as crianças como plantas ou pequenos animais, devem-se-lhes os mais minuciosos cuidados. E esta cultura exige um bom conhecimento da psicologia e da fisiologia, que os educadores modernos ainda não tiveram possibilidade de adquirir, apesar de tudo.
Os anos da maturidade e da velhice têm pouco valor psicológico e poucas transformações orgânicas e mentais. E por isso devem ser preenchidos com uma actividade artificial.
É necessário que o homem que envelhece não deixe de se ocupar. A inacção ainda diminui mais o conteúdo do seu tempo. O ócio ainda é mais perigoso para os velhos do que para os novos.
Àqueles cujas forças declinam, deve dar-se um trabalho apropriado, mas não o repouso absoluto.
Tão-pouco se devem estimular nesse momento os processos funcionais. É preferível suprir a sua lentidão por um aumento de actividade psicológica. Cheios de aventuras mentais e espirituais, esses dias deslizarão muito mais lentamente, e podem até recobrar a plenitude dos da juventude.
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