O caldo de carne

Falemos, pois, do célebre caldo de carne – a argumentação usada será esclarecida pelas observações e pelos estudos de avalizados homens da ciência.

Os críticos só têm um escudo para se cobrirem: é o hábito contraído, é o velho uso dos seus antepassados. Mas, será isso bastante para continuarem? De forma alguma, à face da lógica e da ciência.

Está demonstrado o valor tóxico do caldo. O Dr. A Flint, químico americano, e seguramente uma notabilidade em assuntos de alimentação, equipara-o à urina; O Dr. Lahmann, higienista alemão de reconhecida autoridade, diz que o caldo, como todas as bebidas, é um dissolvente do sangue, e provoca a hidremia com todas as suas terríveis consequências morbígenas; o célebre professor Liebig taxa o caldo de soluto veneno mortífero.

Contudo, apesar destas autorizadas opiniões, o grave gastrónomo não pode passar sem esse prólogo do jantar. E não há maneira de capacitar destas noções os obsecados amantes da sopa, porque as não querem admitir, e com os diplomados não se podem discutir tais assuntos, porque as razões são convincentes, e ninguém gosta de dar parte de fraco.

O certo, porém, é que o problema alimentar não é estudado nas faculdades de medicina. O médico prescreve este ou aquele alimento ao seu alvedrio, e o critério é quase sempre pessoal.

O doente pergunta, indaga, quer saber; todavia o médico faz a sua dieta sem o menor conhecimento.

É esta uma verdade que custa a dizer, mas encobri-la seria uma hipocrisia.

A culpa é dos mestres que, enfeitiçados pela terapêutica dos remédios, não prestam atenção ao problema alimentar, convencidos de que a droga restituirá a saúde ou salvará o enfermo.

Além do ramerrão das dietas, de primeira, segunda ou terceira, indicadas a palpite, nada mais ensinam

É preciso que, por estudos subsequentes, feitos aturadamente após a saída da Universidade de Medicina de Coimbra, caso pessoal, algumas vezes no estrangeiro ou através dos seus livros, a luz começa a surgir e a fazer-se notar no cérebro do clínico.

Seguindo desde logo uma nova ordem de ideias, vai-se eliminando os vícios herdados e pessoais de superalimentação, até se ficar libertos da alimentação postiça do homem civilizado.

A dietética dos livros franceses é a treva profunda neste assunto, para que não se vão pela água abaixo as mixórdias farmacêuticas, com que, à face da lei, certos homens se envenenem a si e aos outros.

Todos os males da humanidade sofredora dependem da civilização, do vestuário, da casa, dos hábitos, da alimentação e em especial dos remédios.

Quantos erros cometidos sem querer, nestes assuntos capitais, porque interessam a vida! A questão alimentar sobreleva todas as outras, tanto em relação ao alimento que se ministra ao tecido dos pulmões pela inspiração, como ao alimento que se introduz no aparelho digestivo: quem respira mau ar, sofre; quem como produtos alterados, adoece.

As células orgânicas, pela assimilação no sangue, de matérias impróprias, recebem nutrição normal e daí as moléstias. Só pode estar doente quem ofende a natureza, ou quem a atacou no passado distante.