O meio social - III

Poderia dar-se a estas respostas uma resposta simples. A civilização moderna encontra-se numa posição difícil, porque não nos convém.

Foi construída sem o conhecimento da nossa verdadeira natureza. Deve-se ao capricho de descobertas científicas dos homens, das suas ilusões, das suas teorias e dos seus desejos. Embora edificada para nós, não está ajustada à nossa medida.

É evidente que a ciência não seguiu nenhum plano. Desenvolveu-se ao acaso do nascimento de alguns homens de génio, da forma do seu espírito e do caminho tomado pela sua curiosidade.

Não foi, de modo algum, inspirada pelo desejo de melhorar o estado dos seres humanos. As descobertas responsáveis pela civilização industrial produziram-se ao sabor das intuições dos sábios e das circunstâncias mais ou menos fortuitas da sua carreira.

Se Galileu, Newton ou Lavoisier…, tivessem aplicado o poder do seu espírito ao estado dos corpos e da consciência, talvez o nosso mundo fosse diferente do que é hoje.

Os homens da ciência ignoram para onde vão e para onde levam a humanidade. São guiados pelo acaso, por raciocínios subtis, por uma espécie de vidência. Cada um deles é um homem à parte, governado pelas suas próprias leis. De tempos a tempos, certas coisas, obscuras para os outros, tornam-se claras para eles. Em geral, as descobertas são feitas sem qualquer previsão das suas consequências, como foi a bomba atómica.

Entre as riquezas das descobertas científicas fizemos uma escolha. E essa escolha não foi determinada pela consideração dum interesse superior da humanidade. Seguiu simplesmente a inclinação das nossas tendências naturais.

O sucesso das novas invenções deve-se ao princípio da maior comodidade e do menor esforço, ao prazer proporcionado pela velocidade, a mudança e ao conforto, assim como à necessidade de fugir-mos a nós próprios. Mas ninguém quis saber de que modo os seres humanos suportariam a enorme aceleração do ritmo de vida produzido por todos esses progressos.

A sua adopção universal deve-se a uma tendência tão natural como a que, no fundo da noite dos tempos, determinou o uso do álcool. O aquecimento central das casas, a iluminação eléctrica, a manipulação química dos géneros alimentícios foram aceites unicamente porque tais inovações eram agradáveis e cómodas. Mas não se tomou em consideração o seu efeito provável sobre os seres humanos.

Na organização do trabalho industrial, a influência da fábrica sobre o estado psicológico e mental dos operários foi completamente descurada. A indústria moderna está baseada sobre a concepção da produção máxima ao mais baixo preço possível, a fim de que um indivíduo ou um grupo de indivíduos ganhe o mais possível. Tal concepção desenvolveu-se sem que se tivesse ideia da verdadeira natureza dos seres humanos, e sem preocupação dos resultados que teria para eles e para a sua descendência, a vida artificial a partir de então.

Tão-pouco se pensou em nós ao proceder-se à construção das grandes cidades. A forma e as dimensões das construções modernas foram inspiradas pela necessidade de obter o máximo rendimento por metro quadrado de terreno.

A cidade moderna compõe-se de monstruosas casas e de ruas obscuras, cuja atmosfera está poluída pelos vapores da gasolina e pelos produtos da sua combustão, pelo fumo, pela poeira, cheias de ruídos de carros e camiões, constantemente obstruídas por uma enorme multidão. É evidente que não foi construída para o bem dos seus habitantes.

Tais influências agem sobre o género de vida. Muitas vezes, em vez de se exercerem no interesse geral, têm realmente como único fim o interesse financeiro de certos indivíduos ou grupos. O seu efeito é nocivo porque aqueles de quem emanam tais interesses têm uma concepção falsa do ser humano.

A educação dada nas escolas e nas universidades, consiste sobretudo na cultura da memória, que dadas as circunstâncias pode ser de muito mais curta duração. Será que o homem foi concebido para resistir a tal falta de solidez mental, de equilíbrio nervoso, de capacidade predicativa, de coragem moral e de resistência à fadiga?

Assim, seguramente, o homem adoece e vê-se ameaçado pelas doenças nervosas e mentais, cardiovasculares e pela debilidade de espírito.

Verifica-se, pois, que o meio que a ciência e a técnica conseguiram desenvolver a favor do homem não nos convém, porque foi criado ao acaso, sem suficiente conhecimento da natureza dos seres humanos e sem percepção da suas verdadeira realidade.