Reconstrução do homem

A ciência, que transformou o mundo material, dá-nos o poder de nos transformarmos a nós próprios.

Revelou-nos o segredo dos mecanismos da nossa vida e mostrou-nos a maneira de provocarmos artificialmente a sua actividade e de nos modelarmos segundo os nossos desejos.

Graças ao conhecimento de si própria, a humanidade, pela primeira vez na história, tornou-se senhora do seu destino. Mas será capaz de utilizar em seu proveito a força ilimitada da ciência?

Para progredir de novo, o homem precisa de se reconstruir. E não o pode fazer sem sofrimento, porque é, ao mesmo tempo, o mármore e o escultor.

É a sua própria substância que deve desbastar, a grandes marteladas, a fim de retomar o seu verdadeiro aspecto. E o homem não se submeterá a essa operação, se não for obrigado pela necessidade.

Enquanto estiver rodeado pelo conforto, pela beleza, pelas maravilhas mecânicas que lhe deu a tecnologia, não compreenderá a urgência dessa operação.

O homem não dá conta de que degenera. Como tentaria então o esforço de modificar a sua maneira de ser, de viver e de pensar?

Felizmente, deu-se um acontecimento que engenheiros, economistas e políticos não esperavam: o magnífico edifício financeiro e económico dos Estados Unidos ruiu.

A princípio, o público não acreditou na realidade de semelhante catástrofe. A sua fé não ficou abalada.

Escutou docilmente as explicações dos economistas; a prosperidade ia voltar. Mas não voltou; hoje, começam a desenhar-se algumas dúvidas nas cabeças mais inteligentes do rebanho: as causas da crise serão apenas económicas e financeiras? Não se devem incriminar também a corrupção e a estupidez dos políticos e dos financeiros, a ignorância e as ilusões dos economistas? Não terá a vida moderna diminuído a inteligência e a moralidade de toda a nação? Por que motivo devemos pagar todos os anos vários biliões de dólares para combater os criminosos? Por que motivo a despeito dessas somas gigantescas, continuam os gangsters a assaltar vitoriosamente os bancos, a matar agentes de polícia, raptar, a pedir resgate, a assassinar crianças e a conduzi-las para credes pedófilas? Por que motivo há tantos idiotas e tantos loucos, muitos deles em liberdade? Não dependerá a crise mundial de factores individuais e sociais mais importantes do que os económicos?

Há motivos para esperar que o espectáculo da civilização, neste começo do seu declínio, nos levará a perguntarmos a nós próprios se a causa do mal estará tanto em nós como nas instituições.

A renovação só será possível, quando compreendermos a sua absoluta necessidade.