Refazer o meio - I

Um grupo, embora pequeno, é susceptível de escapar à influência nefasta da sociedade da sua época, estabelecendo, entre os seus membros, uma regra semelhante à disciplina militar ou monástica.

Tal meio não é inédito. A humanidade já atravessou períodos nos quais comunidades de homens e de mulheres, a fim de atingirem determinado ideal, se impuseram regras de conduta muito diferentes dos hábitos comuns.

Durante a Idade Média, a nossa civilização desenvolveu-se, graças a agrupamentos deste género.

São dessa espécie, por exemplo, as ordens religiosas, as ordens de cavalaria e as corporações de artífices.

De entre as ordens religiosas, umas isolaram-se nos mosteiros, outras secularizaram-se. Mas todas se submeteram a uma estrita disciplina fisiológica e mental.

Os cavaleiros tinham regras, que variavam segundo as diversas ordens. Estas impunham-lhes, em determinadas circunstâncias, o sacrifício próprio da vida.

Quanto aos artífices, as relações entre eles e o público eram reguladas por uma legislação minuciosa.

Os membros de cada corporação tinham os seus costumes, as suas cerimónias e as suas festas religiosas.

Em suma: tais homens abandonavam mais ou menos as formas correntes da existência.

Não seremos capazes de imitar, sob uma forma diferente, o que fizeram os frades, os cavaleiros e os artífices da Idade Média?

Duas condições essenciais do progresso do indivíduo são o isolamento e a disciplina.

Hoje, quem quiser pode, até no tumulto das grandes cidades, submeter-se a condições idênticas.

Todos podem escolher livremente os seus amigos, resolver não ir ao teatro nem ao cinema, não ouvir os programas radiofónicos nem televisivos, não ler certos jornais e certos livros, não mandar os filhos a certas escolas.

Mas é sobretudo por uma regra intelectual, moral e religiosa, e pela recusa de adoptar os costumes da multidão que somos capazes de nos reconstruir.

Grupos suficientemente numerosos seriam susceptíveis de levar uma vida ainda mais pessaol.

Certos povos do mundo mostram-nos a independência que podemos conservar, mesmo na nossa época, aqueles cuja vontade é suficientemente forte.

Não seria preciso um grupo dissidente muito numeroso para mudar profundamente a sociedade moderna.

Desde há muito, a observação diz-nos que a disciplina dão aos homens uma grande força. Uma maioria ascética e mística adquiriria rapidamente um inevitável poder sobre a maioria dissoluta e degradada. E seria capaz, pela persuasão e talvez pela força, de lhe impor outras formas de vida, onde não existisse a corrupção.

Nenhum dos dogmas da sociedade moderna é inabalável.

Nem as fábricas gigantescas, nem os escritórios instalados em arranha-céus, nem as grandes cidades assassinas, nem a mística da produção, nem a moral industrial são necessárias ao nosso progresso. São possíveis outras formas de civilização.

A cultura sem o conforto, a beleza sem o luxo, a máquina sem a escravidão da fábrica, a ciência sem o culto da matéria, permitiriam aos homens desenvolver-se indefinidamente, conservando a sua inteligência, o seu senso moral e a sua virilidade.